Suplementação de creatina e desempenho cognitivo em adultos saudáveis
O cérebro requer alta demanda energética para processos como a exocitose de neurotransmissores e a função sináptica. A creatina participa nesse contexto atuando como reserva energética celular. Pode ser obtida pela alimentação — especialmente por meio do consumo de carnes vermelhas e frutos do mar — e também é sintetizada endogenamente no fígado, rins e no próprio sistema nervoso central.
Como a memória depende de processos intensivos em energia e da funcionalidade mitocondrial, investiga-se se o aumento dos níveis de creatina no cérebro poderia influenciar positivamente o desempenho cognitivo. Sob a ótica da medicina ortomolecular, considera-se a possibilidade de utilizar a suplementação de creatina como recurso terapêutico complementar para suporte à função cerebral, particularmente em grupos com maior vulnerabilidade ao declínio cognitivo.
Esse possível efeito está relacionado à capacidade da creatina de elevar os níveis intracelulares de fosfocreatina e ATP, facilitando a fosforilação oxidativa em sinaptossomos e mitocôndrias cerebrais isoladas. Em experimentos in vitro, a creatina demonstrou ativar a atividade mitocondrial em neurônios cultivados no hipocampo, região chave para os processos de memória e aprendizagem.
Modelos animais também apontam efeitos na modulação da cognição, com relatos de melhora na memória espacial e no reconhecimento de objetos após administração de creatina no hipocampo. Adicionalmente, foi observado aumento na ativação do CREB (proteína de ligação ao elemento de resposta ao AMP cíclico), envolvido nos mecanismos de aprendizagem e consolidação da memória, em um intervalo de 30 minutos após a administração.
Uma meta-análise recente avaliou os efeitos da suplementação de creatina monoidratada na memória em comparação ao placebo. Foram analisados oito estudos, totalizando 225 indivíduos saudáveis (74 homens e 151 mulheres), sendo 122 no grupo que recebeu creatina e 118 no grupo placebo. A duração dos estudos variou de 5 dias a 34 semanas, com dosagens entre 2,2 g e 20 g por dia. A maioria utilizou creatina em pó; apenas um estudo utilizou formulação encapsulada.
Os resultados mostraram melhora estatisticamente significativa no desempenho da memória no grupo suplementado com creatina em relação ao placebo (SMD = 0,29; IC 95%: 0,04 a 0,53; I² = 66%; p = 0,02). Esse efeito foi mais evidente em adultos mais velhos (66 a 76 anos), com maior magnitude (SMD = 0,88; IC 95%: 0,22 a 1,55; I² = 83%; p = 0,009), comparado aos participantes mais jovens (11 a 31 anos).
No que diz respeito à forma de administração, a creatina em pó foi associada a melhor desempenho em testes de memória (SMD = 0,35; IC 95%: 0,05 a 0,66; I² = 73%; p = 0,02), enquanto a forma encapsulada não apresentou diferença significativa em relação ao placebo (SMD = 0,04; IC 95%: −0,30 a 0,39; I² = 0%; p = 0,80).
Embora esses achados indiquem uma possível associação entre a suplementação de creatina e o desempenho de memória — sobretudo em indivíduos mais velhos — a heterogeneidade entre os estudos analisados em relação à duração, dose e formulação utilizada reforça a importância de novas investigações para melhor caracterização de protocolos adequados e suas implicações clínicas.
Referência:
Prokopidis K, Giannos P, Triantafyllidis KK, Kechagias KS, Forbes SC, Candow DG. Effects of creatine supplementation on memory in healthy individuals: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Nutr Rev. 2023 Mar 10;81(4):416-427. doi: 10.1093/nutrit/nuac064. PMID: 35984306; PMCID: PMC9999677.
https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC9999677/