Suplementação com selênio e coenzima Q10 em idosos com deficiência de selênio: efeitos positivos nos hormônios tireoideanos, na qualidade de vida e na mortalidade cardiovascular

O selênio desempenha um papel relevante no metabolismo dos hormônios tireoidianos, por meio da ação de diversas selenoproteínas. Entre elas, destacam-se as glutationa peroxidases (GPXs) e as tiorredoxina redutases (TXNRDs), cuja função está relacionada à proteção da glândula contra o estresse oxidativo. Além disso, as desiodases iodotironinas (DIO I, II e III) são fundamentais na ativação e inativação dos hormônios tireoidianos, em especial na conversão de T4 em T3. A selenoproteína P também exerce função importante ao distribuir selênio para a glândula tireoide e outros tecidos extra-hepáticos.

No contexto da prática ortomolecular, observa-se que a ingestão adequada de selênio é um dos fatores que contribuem para a manutenção do equilíbrio hormonal da glândula tireoidiana. A deficiência desse micronutriente pode comprometer a conversão periférica de T4 em T3, resultando em aumento de T4 e redução de T3, com impacto potencial na atividade metabólica e na função tireoidiana.

Estudos recentes exploraram a interação entre o selênio e a coenzima Q10. A enzima TXNRD está envolvida na conversão da coenzima Q10 em ubiquinol, forma reduzida com propriedades antioxidantes. A insuficiência de selênio pode diminuir a atividade da TXNRD, com redução dos níveis de ubiquinol e impacto na defesa celular contra a peroxidação lipídica.

A produção endógena de coenzima Q10 diminui progressivamente após os 20 anos de idade, podendo cair pela metade no tecido cardíaco ao redor dos 80 anos. Essa redução, somada à ingestão inadequada de micronutrientes, pode estar relacionada ao aumento da vulnerabilidade cardiovascular, especialmente em indivíduos idosos que vivem em regiões com limitações nutricionais.

Um estudo duplo-cego avaliou os efeitos da suplementação combinada de selênio e coenzima Q10 sobre parâmetros hormonais, mortalidade cardiovascular e indicadores de qualidade de vida. O ensaio incluiu 414 participantes de um município no sudeste da Suécia (210 no grupo intervenção e 204 no grupo placebo). Antes da intervenção, os níveis médios de selênio sérico estavam em 67 μg/L (DP: 16,8), equivalente a uma ingestão diária estimada de 35 μg/dia — abaixo do valor considerado adequado (≥110 μg/L).

Durante 48 meses, os participantes receberam 200 µg/dia de selênio orgânico e 200 mg/dia de coenzima Q10, ou placebo (óleo vegetal enriquecido com vitamina E e levedura de padaria). Os indivíduos com menor concentração de selênio apresentaram, no início do estudo, níveis mais altos de TSH e menores níveis de fT3 em comparação aos com maior concentração do mineral.

No grupo placebo, observou-se um aumento significativo do TSH de 1,49 µlU/mL para 2,00 µlU/mL (p = 0,001), com elevação da proporção de participantes com TSH > 4,2 µIU/mL (de 2,5% para 9,6%). No grupo tratado, o TSH variou de 1,56 µlU/mL para 1,74 µlU/mL (p = 0,11), com incremento discreto na proporção com TSH elevado (de 1,9% para 3,4%).

Os níveis de fT3 aumentaram significativamente no grupo tratado (de 2,76 pg/mL para 3,03 pg/mL; p = 0,02), enquanto no grupo placebo não houve alteração relevante (de 2,77 pg/mL para 2,73 pg/mL). Ao final do estudo, os participantes do grupo intervenção apresentaram níveis de fT3 superiores aos do grupo placebo (3,03 pg/mL versus 2,73 pg/mL; p = 0,03).

Quanto ao fT4, o grupo tratado apresentou redução significativa (de 8,81 pg/mL para 7,53 pg/mL; p = 0,0003), enquanto no grupo placebo os valores permaneceram estáveis (8,77 pg/mL para 8,88 pg/mL). Ao final, os níveis de fT4 foram inferiores no grupo tratado em comparação ao grupo placebo (7,53 pg/mL frente a 8,88 pg/mL; p = 0,009).

Esses achados sugerem que níveis reduzidos de selênio, mesmo moderadamente baixos, podem comprometer a atividade das desiodases dependentes desse mineral, enzimas essenciais para a regulação dos hormônios tireoidianos. Uma proporção considerável de adultos idosos aparentemente saudáveis pode, portanto, apresentar alterações tireoidianas funcionais. A intervenção com selênio contribuiu para restaurar a atividade dessas enzimas, o que refletiu em alterações hormonais compatíveis com maior eficiência na conversão periférica de T4 em T3.

No grupo placebo, níveis elevados de TSH foram associados a maior mortalidade cardiovascular em um seguimento de 10 anos, e níveis baixos de fT3 mostraram correlação com níveis aumentados de proteína C-reativa (PCR). As alterações observadas nas concentrações hormonais após a intervenção sustentam a hipótese de que a atividade das desiodases pode ser afetada negativamente por baixos níveis de selênio. Observou-se também aumento na atividade de DIO I e DIO II (maior fT3, menor fT4, relação fT3/fT4 aumentada) e possível elevação de rT3, atribuída à maior atividade de DIO III.

É importante considerar que, no grupo placebo, os participantes com níveis elevados de TSH ou baixos de fT3 relataram pior pontuação em domínios como vitalidade, dor corporal, função social e condição física geral, ainda que essas queixas não fossem detectadas em avaliações clínicas de rotina. No grupo tratado, essas diferenças foram menos pronunciadas, o que sugere possível influência da suplementação sobre o bem-estar subjetivo e parâmetros hormonais.

Referência
Alehagen U, Alexander J, Aaseth JO, Larsson A, Opstad TB. Supplementation with selenium and coenzyme Q10 in an elderly Swedish population low in selenium – positive effects on thyroid hormones, cardiovascular mortality, and quality of life. BMC Med. 2024 May 7;22(1):191. doi: 10.1186/s12916-024-03411-1. PMID: 38714999; PMCID: PMC11077771.

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